Bravo, Putin!
Israel Shamir
Finalmente, o
presidente russo disse o que pensam muitos na Rússia e
no esclarecido Ocidente. A notável intervenção de Putin
em Munique produziu uma impressão explosiva como uma
bomba. Havia muito que ninguém dava uma resposta aos
líderes americanos: “Por que razão em cada caso
apropriado era preciso bombardear e disparar?” Havia
muito que ninguém vocalizava o principal problema dos
nossos dias: “Ninguém se sente em segurança, porque
ninguém pode escudar-se por trás do direito
internacional, como se ele fosse um muro de pedra!”
O discurso de
Munique foi um acontecimento importante, em primeiro
lugar, porque o protesto contra a ditadura americana,
contra o império americano, contra o mundo unipolar,
atingiu a maturidade. A todos incomodava “um só centro
de poder, um só centro de força, um mundo de um só dono,
de um só soberano”, segundo as palavras de Putin. Na
Europa, este protesto une tanto os pensadores nacionais,
como as camadas sociais activas, isto é, as da
esquerda e as da direita. Pode dizer-se que a
referência ao Império Americano se tornou o principal
critério da actualidade, relegando para o passado as
velhas dicotomias. Como descrevia Evgeni Schwartz (1),
os louros da vitória sobre o dragão nazi trouxeram o
burgomestre americano. A intervenção do presidente em
Munique ressoou como a voz de Lancelote na restauração
pelo burgomestre do reinado do dragão.
O flagelo da
ditadura americana é mais pesado que tudo o mais nos
países de novo colonizados do Terceiro Mundo. Centenas
de bases militares, espalhadas por todo o globo, um novo
arquipélago Gulag com sua principal zona de Guantânamo,
porta-aviões apavorando os indígenas, como outrora as
canhoneiras do Império britânico. Em vez da democracia,
os americanos colocam os países perante um ultimato:
escolhei entre serem nossos protegidos ou então um
bloqueio. Esta táctica foi usada contra Cuba, contra a
Bielorússia e contra a Palestina. O terrível destino de
Saddam Hussein, de Miloshevitch e de Noriega faz lembrar
aos chefes do Terceiro Mundo, que eles vivem e governam
não por mandato dos Céus, mas por vontade de Washington.
Mas na Europa a
situação não é muito melhor: utilizando simplórias
tecnologias políticas, a América assenta os seus
quislings nos parlamentos e nos tronos, e introduz a
sua pobre ideologia neo-liberal, a “única verdadeira”.
Na Inglaterra, um tal quisling foi Blair, agora
respondendo na Scotland Yard pelos subornos recebidos
para a sua campanha eleitoral de um rico sionista
inglês, “lord” Michael Levy. Com estes subornos, ele
enviou soldados ingleses para Bassorá e Kandahar, para
as garras severas dos mujahidin. As forças
pró-NATO e pró-ocupação da Inglaterra e da Europa clamam
amizade eterna aos Estados Unidos, acusando o papel da
Rússia como deflagradora na casa comum. Mas no povo
inglês, cuja voz tem sido interpretada por numerosos
blogs da Internet, cresce a admiração por Vladimir
Putin. A vitória do parlamentar inglês independente
Galloway — é o penhor de que ainda é cedo para riscar
da lista a Inglaterra.
A luta activa
entre os combatentes pela ideologia americana e os
europeus independentes recrudesceu nos últimos tempos em
todos os países da Europa ocidental. Se na França,
Bélgica, Áustria muitas forças anti-americanas estão sob
a bandeira nacionalista de Le Pen ou de Heider, isto não
significa que estes povos (ou até seus partidos) se
verguem ao racismo e ao fascismo. Simplesmente, estes
partidos foram menos infiltrados pelos agentes que
trabalham para a NATO. Eles, como as forças de esquerda
europeias e os comunistas, também lutam pela
independência da Europa.
Mas também nos
EUA os pensamentos de Putin são inteiramente
compreendidos, e muitos deles são compartilhados, em
particular, pelo notável filósofo de esquerda Emmanuel
Wallerstein, pelo marxista James Petras, pelo
incansável Chomsky, e pelo político republicano de
direita e comentarista Buchanan. O que nós chamamos o “diktat
americano”, eles designam por ”oligarquia financeira
dominante de Nova Iorque e os belicosos neo-cons de
Washington”, mas o povo, simplesmente, sente-se sob um
Regime de Ocupação Sionista. Se se ler um discurso do
patriota americano Buchanan, verifica-se que é difícil
distingui-lo do discurso de Putin em Munique, porque
também ao patriota americano não agrada a revolução
mundial neo-conservadora. Ele quer estar tranquilo na
sua América, negociar com o mundo exterior, às vezes
sair como hóspede — mas não em tanques nem em
porta-aviões. Os democratas de esquerda do mesmo modo
poderiam subscrever cada palavra de Putin, mas eles,
como os isolacionistas de direita, estão marginalizados
nesta hodierna América totalitária.
“Que benefícios
há por não haver manifestas torturas, e que junto ao pau
sangrento, por todo o mundo, não cantemos os cânones a
Jesus?” — podem perguntar os americanos anti-hegemonia —
quando mais dinheiro é empregue na guerra, na
intromissão nos assuntos internos do outros países, num
projecto de full-spectrum
dominance — de inteiro e plurilateral domínio
da América sobre o mundo. A eles resta falar contra a
guerra no Iraque ou contra o bloqueio de Gaza,
raramente regozijando-se com os ríspidos discursos do
Primeiro Ministro malaio ou do Presidente iraniano e de
outros originais.
Mas a
particularidade do discurso de Munique está em que desta
vez foi ouvido pela voz de uma grande potência, no
activo da qual temos Dostoievski e Sorokin (2), Topol-M
e Satanás (2), Gazprom e Lukoil (2), espírito, armamento
e dinheiro, veto no Conselho de
Segurança, e milhões de amigos para lá das fronteiras.
Aos dissidentes ocidentais, que se sentiram orfanados
com a queda da União Soviética de novo rebrilhou a
esperança no Leste, e a nova agressiva corrente,
desenvolvida durante os anos de ausência da Rússia na
arena mundial, sentiu o desafio que lhe foi lançado.
Agora é difícil
compreender, como em seu tempo nós pudemos admirar a
liberdade americana: todos os jornais americanos se
encontram nas garras férreas do burgomestre mundial, e
condenaram unanimemente Putin, feito que nos anos de
Brejnev a KGB não conseguia realizar nas redacções
moscovitas. O New York Times, o Los Angeles
Times, e o Washington Post escreveram a
respeito do governo moscovita com arrogância e desprezo,
como a guarda de Abu Graib a respeito do aprisionado
Saddam Hussein.
Em especial, a
propósito, tentou Max Boot (3) no “Los Angeles Times”
dificilmente congraçar-se com ele. Para Max Boot,
Estaline era “fascista”, Ahmadinejad é um “Hitler”, e
Putin um “piolho rugidor”. É evidente que a fala do
presidente o melindrou, e não foi por acaso. Max Boot é
um proeminente neo-con, membro activo do lobby,
que tenta fazer deflagrar a guerra contra o Irão. Há
dias, intervindo na comunidade hebraica de Los Angeles,
ele arrancou aplausos incitando a uma guerra o mais
rapidamente possível contra o actual “Hitler”. Nas
páginas do “Jewish World Review”, Boot insistia
na escalada da guerra do Iraque, e, na altura da
fracassada (para Israel) campanha do Líbano, ele
incitava os israelitas a atacarem Damasco. Pelas
palavras de Boot, o Exército Vermelho à disposição de
Putin já não é o mesmo que dantes. Não tem a força do
passado, isto é, o presidente russo devia comportar-se
um pouco mais modestamente.
Eu já ouvira
isto no ano de 1990, quando voámos em helicóptero para
Susdal com Aria Levin, então embaixador israelita na
URSS. Olhando para a sóbria paisagem russa, este
arrogante diplomata, considerando-se mais um
representante do que um enviado, bufou de presunção:
“Este “Alto Volta (4) com foguetes” pensou opor-se à
América!”. Levin, como hoje Boot, e outros desta espécie
repetem o erro de Hitler, que estava convencido que “a
URSS era um colosso com pés de barro”. Na verdade, a
URSS de 1941 estava tecnologicamente atrasada: apenas
uma linha telefónica e um caminho de ferro unindo a
Rússia com a Sibéria, enquanto na Alemanha já havia
auto-estradas. Mas a guerra acabou com a tomada do
Reichstag, e não com a queda do Kremlin.
Mas as palavras
de Boot não se devem perder dos ouvidos. A Rússia
precisa de reforçar a sua capacidade de defesa, apoiando
os aliados, consolidar a sua amizade com o Irão e a
China, e, mais importante, dar aos russos uma base séria
para acreditarem que a Rússia é para eles, não
apenas para os negociantes de petróleo e banqueiros,
porque sem a solidariedade do povo não subsistirá um
exército.
A Rússia tem os
seus ponderosos motivos de descontentamento. Dos russos
se desenvolveram como dos últimos salmões, falando na
linguagem dos heróis de Pelevine (5). O Exército
Vermelho retirou-se com a promessa de que os exércitos
da NATO não entrariam na Alemanha de Leste (o secretário
geral da NATO, Sr. Werner, em Bruxelas a 17 de Maio de
1990, disse: “O próprio facto de que nós estamos
decididos a não deslocar exércitos da NATO para além dos
limites do território da RFA, dá à União Soviética
garantias sérias de segurança”), mas agora a NATO
estabeleceu-se firmemente nos países bálticos. Tal
violação dos tratados não deve ficar sem resposta. Putin
fez bem falando disto em voz alta, porque as observações
anteriores tinham caído em ouvidos surdos. A Europa
Oriental, infelizmente, provou ser os “cavalos de Tróia”
— a Estónia, a Polónia e a Tchékhia já condenaram Putin
e pediram a rápida integração na NATO.
Mas na Europa
Ocidental a situação é completamente outra. Os velhos
povos dos estados europeus estão insatisfeitos tanto com
a continuada ocupação americana, como com a concorrência
dos europeus orientais, e o aumento de desemprego
provocado pelo chamado outsourcing — mudança das
empresas para países com força de trabalho barata. Estes
povos não estão afectados pelo ódio à Rússia, como
vizinhos próximos; e neste meio as palavras de Putin
encontraram audiência.
Juntemos ainda
que Putin sabe falar com o povo e a imprensa. Ele sabe
responder e isto não é pouco. Quando lhe lembraram a
Politkovskaia (6), ele lembrou as dezenas de jornalistas
mortos pelo exército americano no Iraque. Quando lhe
falaram dos direitos do homem, ele lembrou Guantânamo.
As referências americanas à “intromissão” da Rússia nos
assuntos da Ucrânia depois da não simples intromissão,
mas directa agressão dos EUA no Iraque, fizeram-me
recordar os versos de Púshkin: “No olho alheio vês uma
palhinha. Mas no teu não vez uma trave.” (7)
Putin soube
utilizar a sua experiência passada numa nova Rússia
democrática, não perdendo a sua filiação e as ligações
com a boa Rússia Soviética antiga. Se dessa maneira
soubessem falar e responder os últimos secretários
gerais, a URSS estaria ainda hoje connosco. Agora, após
as notáveis palavras de Putin, esperam-se
acontecimentos, grandes acontecimentos.
(1)Escritor
russo (1897-1958).LUSO
(2)Valores
culturais e políticos. Valores militares. Valores
económicos. Satanás é a designação que a NATO dá ao
grande foguetão russo. LUSO
(3)Max Boot.
Neo-con extremado do CFR. Nasceu em 1969 ( hoje com 39
anos!) em Moscovo, Rússia. LUSO
(4)Amesquinhamento da Rússia. Alto Volta, o actual
Burkina Fasso, país africano muito atrasado, como
estaria a Rússia. LUSO
(5)Viktor
Pelevin — Escritor russo contemporâneo (n. 1962). LUSO
(6)Anna
Politkovskaia — jornalista (americana) assassinada na
Tchétchnia. LUSO
(7)Palavras
bíblicas de Cristo, como se sabe. LUSO