A Lógica do Escorpião
Israel Shamir,
18 de Janeiro de 2008
O frio glacial que enregelou a Palestina
durante algumas semanas foi-se embora aparentemente com o
Presidente Bush, deixando-nos a pensar qual a razão que
afinal teria trazido até cá esse homem estranho. Uns
incorrigíveis optimistas expressaram a sua crença de que
Bush tinha convocado a conferência de Annapolis e partira
para esta sua jornada a fim de fazer a paz no Médio Oriente
e melhorar a sua imagem para as gerações futuras. “Ele não
quer reformar-se com a nódoa de Abu Ghraib e da Guerra do
Iraque, e sonha em ser bem recordado”, dizem eles. Esses
mesmos optimistas costumavam dizer o mesmo do General Sharon
durante a muito publicitada retirada de Gaza. Foi preciso um
ano, ou dois, para que o mais ingénuo dos optimistas pudesse
compreender que (como o próprio Sharon escrevera na altura
da retirada) este acto permitia aos judeus infligir mais
sofrimento aos palestinos e a um preço mais baixo. Agora
podem bombardear Gaza facilmente, sem se preocuparem com
algum judeu perdido que possa também ser atingido. Agora
podem matar Gaza à fome e fazer biliões vendendo provisões
aos sitiados, enquanto a conta é paga pela comunidade
internacional. É essa a natureza de Sharon: se ele te der um
bocado de pão, procura a agulha escondida dentro dele; se te
der um copo de água, vê bem se não está envenenada. Como o
escorpião do conto da Médio Oriente, ele não sabe agir de
modo diferente. Bush é o gémeo do seu amigo vegetativo
Sharon, que está agora paralisado num limbo comatoso
reagindo à dor. Estes fulanos simplesmente são incapazes de
fazer o bem. Se vires Bush a fazer uma boa acção, corre logo
ao teu oftalmologista! O nosso amigo Jack Graham escreveu
recentemente que a América não é o Grande Satanás. É
verdade, mas sob o domínio de Bush, vai desempenhando o
papel de Satanás, enquanto o verdadeiro não aparece.
Um psicólogo poderia tentar desvendar o
mistério da profunda ligação de Bush aos neo-cons — mas nós
não vamos penetrar nos seus motivos (está estupidificado? é
vítima de chantagem? está enfeitiçado?), e aceitaremos
simplesmente o facto.
Para os neo-cons, Israel/Palestina é o
núcleo mais importante da questão. Mas eles não estão
satisfeitos com o completo controlo da Palestina; seja qual
for o motivo da sua conspiração, é necessário controlar
todo o oriente da Índia à Etiópia. Virão depois tratar com
os Palestinos, quando o resto estiver seguro. Agora fazem
estragos e soltam os cães da guerra, que campeiam em
liberdade. Querem desfazer o Paquistão e apoderar-se dos
seus recursos nucleares, querem controlar a Rússia e a
China, mas o seu desejo imediato é dominar o Irão. Para este
fim, Bush precisa de ter a seu lado alguns paus-mandados
árabes. Os Mestres do Discurso clamam que os Árabes ”tremem
de medo perante as alegadas ‘ambições nucleares’ do Irão e
poderiam mesmo vender o Povo Palestino se os Estados Unidos
lhes ‘eliminassem’ o Irão”, diz John Whitbeck, descrevendo
correctamente esta pretensão como “psicadélica”. (Mas na
realidade, “o povo árabe comum ficaria radiante, se qualquer
estado muçulmano com Israel dentro do seu raio de acção
(mesmo um estado não-árabe ou xiita) adquirisse armas
nucleares e estabelecesse um “equilíbrio de medo” em lugar
do terror unilateral das últimas quatro década”, afirma
Whitbeck.)
É possível convencer os Americanos que esta
pretensão psicadélica está certa. Os Mestres do Discurso
sabem convencer a maioria dos cidadãos americanos seja do
que for, até da existência de ET’s cinzentos. Os Americanos
foram convencidos de que os Vietcong cedo desembarcariam na
Califórnia, de que Saddam Hussein tinha Armas de Destruição
Maciça e de que os iraquianos abraçariam os US Marines
como seus libertadores, de modo que podem ser convencidos
sempre, até que consigam libertar-se do jugo de lavagem ao
cérebro que lhes é imposto pelos Mestres. Mas os árabes não,
como o mostraram os iraquianos. Para a sua próxima acção,
Bush tem que fazer certo progresso na Palestina. Claro que
não poderá ser um progresso verdadeiro, porque a Palestina é
o núcleo, o objectivo final; será bastante bom se apenas
parecer que é um passo em frente.
É esta a razão por que ele avançou com a
inútil farsa de Annapolis. Se você acredita que Annapolis e
a visita de Bush fizeram avançar um só centímetro ao
famigerado “progresso pela paz”, você não precisa de um
Monge Eléctrico, o dispositivo descrito por Douglas Adams
como uma máquina criada para se acreditar em tudo o que é
difícil de acreditar — você pode bater esta máquina no seu
próprio jogo! O Patriarca Católico de Jerusalém prestes a
reformar-se, Mons. Michel Sabbah explicou correctamente na
sua homilia de Natal: “Um novo esforço de paz iniciou-se
nestas últimas semanas. A fim de que ele seja bem sucedido,
deve haver vontade firme de fazer a paz. Até agora, não tem
havido paz, simplesmente porque não tem havido vontade de a
fazer”, e apontou o dedo para “o partido forte, aquele que
tem tudo na mão, aquele que impõe a ocupação ao outro”. Na
verdade, Israel não quer uma paz aceitável aos Palestinos,
mas ( juntamente com o Presidente Bush) quer a paz nas suas
próprias condições.
Os Árabes compreendem isto tão bem como toda
a gente. Até mesmo o mais pró-ocidental dos grandes jornais
árabes, o Gulf News de Abu Dhabi, escreveu uma “Carta
a George W. Bush” em que diz: “O Sr. disse que a sua actual
viagem se destina a realizar a desde há muito negligenciada
paz no Médio Oriente. A paz regional não será conseguida
escalando a tensão e ameaçando trocar os regimes políticos.
E ainda mais importante, não será conseguida apoiando
Israel, que continua a desafiar a lei internacional, a
ocupar países árabes, a oprimir os Palestinos e a repelir as
iniciativas de paz.”
Al Jazira diz, referindo-se aos
‘analistas’, que “o presidente dos EUA vem muito atrasado
para convocar aliados árabes no confronto com o ’extremismo’
iraniano, pois os aliados americanos no mundo árabe puseram
já o seu peso numa aproximação ao Irão... a trapalhice
americana no Médio Oriente empurrou os Árabes para um
diálogo com a República Islâmica”.
A rejeição russa de sanções contra o Irão
foi também útil na mudança de clima, e é possível dizer que
Bush perdeu a sua oportunidade de formar uma coligação
anti-iraniana. Contudo, a propaganda ocidental contra o Irão
influenciou muitos árabes; até o relativamente amigável
site da resistência iraquiana, www.uruknet.info publica
diatribes terríveis contra os “Persas”. O Dr. Theodor Reik
escreveu que os povos e as culturas sempre caminham na mesma
rotina: os Árabes foram uma vez induzidos a apoiar a
Inglaterra contra o Império Otomano. O resultado foi triste;
mas esta experiência impedi-los-á de repetir o erro, ou irão
apoiar os EUA contra os Iranianos, se lhes oferecerem
qualquer acção convincente do presidente palestino Mahmud
Abbas? * A Palestina continua a ser a chave do problema.
* Mahmud Abbas é o presidente da Fatah,
que se opõe à Hamas, organização da maioria popular
palestina. É incerto se a Fatah vai unir-se à Hamas contra
Israel, ou se, manipulada por Israel, combaterá a Hamas, o
que seria uma tragédia para a causa árabe. LUSO