Tranquilidade para nós só
em sonhos
Israel Shamir
Feliz Ano Novo,
queridos amigos-leitores! Juntamente com os votos e cumprimentos
de Bom Ano, mando-vos este artigo de “ano novo”:
O novo ano de 2008
começou em 27 de Dezembro com o assassínio da Benazir Bhutto, o
que quer dizer que não vai ser um ano fácil. Não se pode contar
com paz e tranquilidade. Na nossa frente temos uma borrasca que
não podemos esperar que passe. De novo são actuais as palavras
do poeta: “A tranquilidade para nós só em sonhos”. Vamos
rejubilar como o albatroz com esta tempestade que se aproxima ou
esconder-nos nas rochas como os mergulhões? Seja como for, a
borrasca não parará, nem se apressará, nem atrasar-se-á. Mas o
cobarde vergar-se-á mais depressa do que o valente guerreiro.
Enfrentemos a borrasca com olhos bem abertos e plena prontidão.
Sonhos a respeito da estabilização podem apenas levar à derrota
e a nova catástrofe geopolítica. O futuro da Rússia é radioso,
mas este resplendente futuro será preciso obter com luta. O
status quo desmorona-se por toda a parte, e o assassínio de
Benazir Bhutto é o último aviso da tempestade.
Mataram-na pouco depois
que os neo-cons se lançaram na discussão aberta dos planos da
desmontagem do Paquistão. Em 19 de Novembro de 2007, a um mês do
assassínio, dois dirigentes neo-cons Fredric Kagan e Michael
O’Hanlon publicaram no “New York Times” um artigo incitando os
americanos a apoiarem a ditadura de Musharraf, odiosa para o
povo, de tal modo a levar o Paquistão ao caos e à anarquia, e
depois disso invadirem o Paquistão, apoderarem-se do armamento
nuclear e neutralizá-lo, e depois destruir o país *. Eles
propõem apoiar-se nos elementos pró-ocidentais do exército
paquistanês, que poderão controlar a região da capital e o
Punjab a sul da capital, e também mostrar aos americanos, onde
se esconde o armamento nuclear. “Quem poderia pensar ainda há
poucos anos, que os activistas do Pentágono prefeririam
organizar a queda de Mushrraf e lançar o país num caos sem
fundo?” — escreve Addullah Djan, autor do conhecido livro sobre
o regime de Musharraf. Djan convida os líderes paquistaneses a
aprenderem as lições da guerra iraquiana, e romperem com
Washington, enquanto não os dependuram nos lampiões das ruas.
A quinta coluna
americano-israelita na Rússia — chamam-lhe círculos sionistas, o
“lobby hebraico” de Moscovo, chefiado por Evgenii Satanovskii —
quer que a Rússia apoie o seu plano de “estabilização do
Paquistão”. No saite RIA Notícias, porta-voz de Satanovskii,
Ivan Zakhartchenko, repete os seus argumentos no artigo: “Dia
Negro do Paquistão — será possível aí a democracia?”
Zakhartchenko-Satanovskii não desprezam um só cliché de fabrico
americano-israelita, para prepararem o campo para a invasão
americana do Paquistão. “Selvajaria — foi a primeira coisa que
veio à cabeça, quando se espalhou a notícia do assassinato,
ante-ontem, no Paquistão da líder da oposição, Bhutto; Uma coisa
é clara — que ele teve lugar no século XXI, no novo milénio,
que em pouco se difere da remota Idade Média, e possivelmente da
Idade da Pedra”. Mas basta! Os assassínios de chefes políticos
acontecem em toda a parte — lembremo-nos do assassinato do
Presidente Kennedy na América, do assassinato do primeiro
ministro Rabin em Israel, do assassinato do ministro dos
negócios estrangeiros na Suécia, o enforcamento de Saddam
Hussein, cometido pelos ocupantes americanos e seus cúmplices no
Iraque ocupado. Medievalismo – e para mais selvajaria — por
nada.
Zakhartchenko-Satanovskii tentam afastar a desconfiança do
evidente organizador do assassínio, o general Musharraf e seus
protectores neo-cons. “Nomeadamente, muitos automaticamente o
culparam do que se passou desta vez no Paquistão. Mas a razão da
comparticipação directa de Musharraf no atentado contra a pessoa
de Bhutto seria demasiado simples. E depois havia também muitos
inimigos seus, que estariam interessados na liquidação do
político que levava os valores europeus para solo asiático, para
o estado islâmico do Paquistão”. Que valores europeus? Benazir
Bhutto foi por duas vezes primeiro ministro e distinguira-se em
dois campos — a corrupção e a realização das ordens americanas.
Sob a sua direcção o Paquistão era a base da retaguarda dos
mudjahidin (combatentes) que combatiam contra o governo
popular socialista do Afeganistão. E seu marido recebeu o
cognome de “Assif 10%”, porque ele recebia cinco vezes mais que
o “Misha 2%”.
A tentativa de atribuir
o assassinato aos “fanáticos islâmicos” logo ruiu — e os
próprios dirigentes islamitas desmentiram as primeiras
informações da sua participação, e a falecida Benazir deixou uma
carta, na qual sem ambiguidades culpou Musharraf da preparação
do assassínio. O comentarista paquistanês Dr. Shabir Khudri
escreveu justamente: “É possível que ela apoiasse os interesses
ocidentais, mas estava ainda muito longe do poder. Segundo as
novas leis, promulgadas por Musharraf, ela precisava de dois
terços dos votos para ficar como primeiro ministro, mas ela não
tinha qualquer probabilidade de obter tal maioria. E segundo a
constituição paquistanesa, é o presidente Musharraf que tudo
decide e não o primeiro ministro. Se a Al-Qaida se resolvesse a
matar algum dos políticos pró-ocidentais, teria uma grande
possibilidade de escolha entre as pessoas no poder, os quais
foram já partícipes em tragédias passadas. Por isso não vale a
pena procurar os assassinos nas montanhas da fronteira afegã —
eles estão na capital, em Islamabad. E mataram-na não pelo apoio
ao Ocidente, porque a maior parte dos funcionários e líderes
governamentais orgulham-se do seu apoio ao Ocidente.”
Grande conhecedor do
Paquistão, Robert Fisk, propõe, como uma imaginária
investigação policial, uma série de perguntas e respostas:
“Pergunta: Quem obrigou
Benazir Buhtto a permanecer em Londres e tentou impedir que ela
voltasse para o Paquistão? Resposta: O general Musharraf.
“Pergunta: Quem deu
ordens de prender milhares de partidários de Benazir Bhutto nas
últimas semanas? Resposta: O general Musharraf.
“Pergunta: Quem manteve
Benazir Bhutto em prisão domiciliária? Resposta: O general
Musharraf.
“Pergunta: Quem criou
um estado de guerra? Resposta: O general Musharraf.
“Pergunta: Quem matou
Benazir Bhutto? Resposta: Siiim...”
Satanovskii e
Zakhartchenko têm medo de nós: “Elas (as armas nucleares) caíram
nas mãos dos terroristas, e as consequências disto são até
medonhas de imaginar”, e significa isto que é preciso “apoiar o
presidente Musharraf, que possivelmente é o único homem capaz de
usar o exército para manter o país afastado da explosão e não
permitir os ataques das armas nucleares nas mãos dos
terroristas.” Exactamente isso, palavra a palavra, diz o
dirigente americano neo-con Michael Savage (Weiner), condutor do
popular talk-show “Savage Nation”. Ele proclamou o
assassínio de Benazir o “novo 11 de Setembro” e incitou a cuspir
na democracia do Paquistão e a enviar tropas americanas em apoio
de Musharraf. Nisto mesmo insiste também John Bolton,
ex–embaixador dos EUA na ONU, que os americanos consideram o
mais brilhante sionista na administração.
Por trás das conversas
a respeito da ameaça dos terroristas esconde-se o desejo de
Israel e da América de tomarem sob seu controlo a armamento
nuclear paquistanês. Ironia do destino — a América permitira ao
Paquistão desenvolver e produzir armamento nuclear como paga
pelo apoio de Osama bin Laden e seus mudjahidin que
lutavam contra os russos em Kandahar*. Ao Paquistão esta luta
contra o comunismo saiu cara — milhões de fugitivos, milhões de
dólares, milhares de “Stingers”** e toneladas de heroína criaram
novos centros de força e poder, desenterraram monstro ICI
(assim se chama o serviço secreto paquistanês) e destruíram a
frágil sociedade. E saiu cara também ao povo do Afeganistão, que
até hoje recorda os anos do regime comunista como o melhor tempo
da sua história. A luta contra o comunismo custou cara também
aos tradicionais anti-comunistas americanos: substituíram-nos os
filhos jovens enérgicos dos hebreo-trotzkistas, que se tornaram
neo-cons, e os velhos anti-comunistas viram-se à margem da
história, longe do poder. Agora os neo-cons vencedores querem
jogar de novo e recuperar o monopólio nuclear.
Ei-la, a primeira
experiência do ano novo para a renovação da liderança russa:
Como não cair na dissolução americano-sionista. Nenhum apoio a
Musharraf, nenhum acordo — mesmo que seja secreto e limitado —
com os planos americanos de invasão do Paquistão. No ano de
2001, o novo presidente da Rússia Vladimir Putin foi obrigado a
concordar com a participação na insensata “guerra contra o
terror”, mas desde então passaram-se sete anos sacramentais.
Agora, a Rússia não tem necessidade de repetir os erros desse
tempo. Erro seria o apoio incondicional ao status quo
internacional. Erro antes de mais, porque o outro lado deste não
prometeu nem fez.
Formar-se-ia uma
situação anormal — a Rússia confirmando o status quo —
mesmo não lhe sendo conveniente. Este medo dos mergulhões
perante as tempestades foi um problema também nos últimos anos
do regime soviético. A União Soviética observava
escrupulosamente os acordos, evitava os conflitos armados,
excedeu-se em propaganda anti-bélica, com que minou o seu poder.
Os velhos no Politburo tinham medo dos ataques. A América,
porém, não temia ataques, mas fazia constantemente a guerra — a
fria, a quente, a informativa, a das redes de comunicação, a dos
sistemas, e por isso venceu.
A política defensiva da
Rússia de Putin vulnerabiliza, precisamente porque só com defesa
não é possível vencer uma partida. Além do guarda-redes e dos
defensores, exigem-se os atacantes. Historicamente
desenvolveu-se o facto de que no mundo do Islão também as forças
revolucionárias estão pintadas de verde — é o caso do “Hamas” na
Palestina, do Hizbollah no Líbano e movimentos semelhantes no
Irão, Afeganistão e Paquistão. Se os ideologicamente
enfraquecidos líderes soviéticos não podiam oferecer cooperação
com os grupos islamitas radicais (na Ásia) ou católicos (na
América Latina), agora este problema não existe.
O Paquistão dá à
liderança russa a possibilidade de aplicar uma nova estratégia —
não ter medo do balançar do barco. De um lado, o Paquistão,
criado pelos ingleses no funesto ano de 1947, provou ser
desígnio frustrado — os muçulmanos do sub-continente sentem-se
melhor e vivem melhor na Índia vizinha. Formação artificial, em
muito fazendo lembrar Israel, o Paquistão ocupou a posição
hostil da Rússia, em quase todas as questões, desde o
Afeganistão até à Tchétchnia e ao Kosovo. Do outro lado, não se
pode permitir o reforço das posições americanas na região. A
decisão desta tarefa não pode ser adiada até Março. O presidente
da Rússia deve ocupar-se disto a sério, e os candidatos ao lugar
de presidente, em primeiro lugar Gennaddii Ziuganov e Dmitrii
Medved, devem activamente propor as suas variantes. ¶
Este artigo foi-me
gentilmente enviado por Israel Shamir no dia 30.12, tendo sido
escrito em russo no dia anterior. Hoje, Dia de Ano Novo,
1.1.2008, tenho-o já traduzido para Português e esta tradução
vai ser enviada hoje mesmo ao autor do original, com os meus
agradecimentos.
Spasibo bol’shoe,
Israel Shamir! S
Novym Godom!
* Uma furiosa
psicopatia invadiu os EUA! LUSO
*Kandahar é
província do sul do Afeganistão, com capital do mesmo nome — a
segunda cidade desse país. LUSO
**Stinger = míssil
americano de precisão terra-ar, transportável pelo soldado.
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