Agarrar e fugir
Israel Shamir
O espertalhão do rapaz viu a bolsa do dinheiro
em cima do banco. O dono dela tinha ido pontapear uma bola que
viera em sua direcção, e a bolsa ficara abandonada ao alcance
do pretendente a ladrão, que não resistiu: agarrou rapidamente a
bolsa e deu logo às de vila Diogo. Mas mal tinha dado dois
passos tropeça e cai nos braços dum latagão de estatura robusta.
Era o dono da bolsa. Esta fábula serve de exemplo a certos actos
de guerra.
Sadam Hussein desta maneira tentou agarrar o
Kuwait e logo se viu apanhado pela “Tempestade do deserto”. De
certo modo, o mesmo aconteceu na guerra da Geórgia: Saakashvili
viu que a Ossétia do Sul estava sem vigilância, e que a Rússia
não respondia às provocações dele, e assim tentou agarrar e
fugir. Como se sabe, a Rússia estava alerta, e o espertalhão do
Saakashvili recebeu uma lição.
Isto, sem dúvida, foi bom por vários motivos:
(1)
O aventureiro Saakashvili havia muito que precisava de
uma boa ensaboadela. O seu desajeitado namoro com Israel e a
América levou ao conflito. Ele queria, como aconteceu no seu
tempo com o jovem Fidel, transformar o seu país num fósforo, que
lançasse fogo ao barril de pólvora das mudanças globais.
(2)
A Rússia desempenhou o seu dever como sucessora da URSS
em relação às suas partes separadas. O residual dever imperial
obrigou a Rússia a proteger os ossétios e os abkhazes.
(3)
A Rússia mostrou-se capaz de usar a força, com rapidez,
com eficácia e com moderação.
(4)
A Rússia mostrou, que não tem medo de cumprir as suas
obrigações.
(5)
O governo da Rússia mostrou, que não tem medo dos gritos
de Washington e de Bruxelas. Depois de muitos anos de fraqueza e
submissão, isto é um bom começo.
(6)
A derrota militar ajudará os georgianos a encontrar o
perdido senso comum. Os georgianos são inteligentes, bem
parecidos, hospitaleiros e gentis, mas ao mesmo tempo grandes
chauvinistas, e demasiado inclinados a distinguir os
acontecimentos e as pessoas através dum prisma rácico. Não foi
por acaso que o primeiro acto da Geórgia independente em 1918
foi uma expulsão em massa dos arménios. Também Estaline se
portou muito à georgiana, quando deportou os povos – os
tchetchenos e os alemães da Prússia. Se não fosse o
nacionalismo cartvélio, os ossetianos e os abkhazes não se
apressariam a sair da Geórgia. Os cartvélios devem reduzir o seu
chauvinismo, e a derrota talvez os ajude.
(7)
A posição dos ossetianos tornou-se mais forte, a ameaça
física às suas vidas desapareceu. Agora eles devem permitir aos
fugitivos georgianos que regressem. Os ossetianos e os
georgianos pertencem a uma mesma igreja, e devem fazer as pazes.
(8)
Os criadores e inventores dos métodos de contornar a
Rússia devem ser mais cuidadosos, isto é, esses métodos
encarecem e tornam-se depressa desvantajosos.
(9)
Especialmente bom foi a guerra ter rapidamente terminado.
A Rússia foi obrigada a deter a agressão
georgiana, em primeiro lugar, devido ao método de condução da
guerra escolhido por Saakashvili. Este queria apanhar a Ossétia
sem os ossetianos, como os seus mestres israelitas querem a
Palestina sem os palestinos. Por isso a artilharia georgiana
alvejou os quarteirões dos habitantes civis da capital da
Ossétia do Sul, provocando uma onda de fugitivos para o norte,
para a Rússia. Se não fosse a surtida relâmpago das tropas
aerotransportadas russas, dezenas de milhares de fugitivos
desestabilizariam o Cáucaso do Norte
A Rússia foi para a guerra não para mudar o
presidente da Geórgia, embora isso não signifique que um tal
resultado não fosse desejável. O agente do imperialismo,
contorcendo-se em esgares histéricos anti-russos, Saakashvili,
fez mal à Geórgia, à Rússia e à paz. Melhor teria sido se ele
tivesse perdido as eleições falseadas de há uns meses atrás. Se
há patriotas na Geórgia, que varram com ele devido à sua derrota
e escolham o curso correcto da neutralidade e amizade com a
Rússia, isso será de saudar. Mas lutar por isso não é preciso,
porque os governantes colocados no poder com a ajuda da
intervenção estrangeira costumam mostrar-se pouco sólidos e
pouco seguros. No fim de contas, interessa à Rússia uma
neutralidade amiga do tipo alcançado com a Finlândia. E uma
Geórgia amigável saberá integrar a Ossétia do Sul, satisfazendo
os interesses dos seus habitantes.
Agora, depois da vitória das armas russas,
chegou o tempo de acabar com a propaganda anti-georgiana. Em
tempo de guerra é inevitável o aparecimentos dos
“carlinhos-salsicheiros”, como Ehrenburgo (1) chamava ao povo de
Goethe e Schiller, e “roedores”, como chamavam ao povo de
Rustaveli (2) e Pirosmani (3). Mas agora, basta. A amizade com
os povos do Cáucaso, entre os quais os cartvélios, essetinos,
tcherkasses – é uma sólida tradição russa desde os tempos de
Griboedov (4) e Lermontov. Como dizia o camarada Estaline – os
Saakashvili chegam e vão-se, mas o povo georgiano fica.
Mantendo-se modesto, ele apenas vence.
Muitos observadores russos ficaram admirados com
a propaganda anti-russa no Ocidente. Mas dum modo geral as
principais publicações e canais de televisão do Ocidente
mostraram-se mais reservados do que seria de esperar. Os líderes
americanos, sem dúvida, condenaram, e Zbigniew Brzezinski (5) de
novo exigiu a aniquilação da Rússia, mas na Europa as vozes
foram mais ambivalentes. Até o jornal sueco DN, próximo dos
neocons, ofereceu uma plataforma aos ossetianos fugidos dos
combates. O Guardian e o Independent de Londres
também mostraram reserva e compreensão da posição russa. Em
Israel cessaram a assistência técnica militar à Geórgia.
Por trás da reserva esconde-se a esperança nos
círculos americano-israelitas de se conseguir o apoio russo na
sua campanha contra o Irão. Nós, dir-se-ia, por vós – Ossétia do
Sul, e vós por nós – o Irão. Isto, sem dúvida, são grandezas
não comparáveis. Era necessário proteger a Ossétia do Sul, mas
não ao preço do Irão. Tanto mais que o Irão praticamente
expressou oficialmente o seu apoio às acções da Rússia. O Irão
está pronto a prestar ajuda na restauração da paz na Ossétia do
Sul. O governo iraniano chama às acções da Geórgia “assassínio
dos sem defesa”. O Irão foram noutros tempos o suserano da
Geórgia, Arménia e Azerbaijão, e os iranianos compreendem o que
se passa.
Sem dúvida que Saakashvili não podia ter dado o
seu violento passo, sem discuti-lo com os americanos. Mas ele
não podia nem compreender a sua resposta, como não compreendeu
no seu tempo Saddam Hussein as palavras ambíguas do embaixador
americano. Os americanos, como é evidente, não se aprontaram a
prestar-lhe apoio militar, limitando-se a palavras – embora tal
baixo perfil não possa deixar de amedrontar os restantes
presidentes anti-russos, desde Iushenko até ao estoniano.
Por que os americanos deram a aprovação a
Saakashvili para que ele fizesse a guerra? É evidente, que foi
uma pequena acção de guerra, ilha Hasan-2008 (6). Numa tal
guerra há lugar para surpresas. Ninguém podia anteriormente
dizer com certeza, como se comportaria a Rússia e como se
justificaria com as acções do seu exército. O resultado excedeu
as expectativas – o exército russo saiu da sua longa decadência.
Notas
1.
Ilya Ehrenburg (1891-1967) – poeta e escritor soviético
2.
Shota Rustaveli (1160-?) – famoso poeta georgiano, autor
do poema épico nacional “O Cavaleiro na Pele de Pantera”
3.
Niko Pirosmani (Pirosmanashvili) (1862-1918) – famoso
pintor georgiano
4.
Alexander Sergeievitch Griboedov (1795-1829)- escritor
dum livro único famoso “Gore ot umá” (“A desgraça de ser
inteligente”). Viveu na época de ouro da literatura russa, tempo
de Pushkin e de Lermontov, entre outros.
5.
Zbigniew Brzezinski - o conhecido conselheiro de
presidentes americanos, hoje com 80 anos, aparentemente já
chéché.
6.
Ilha Hasan - conflito militar entre a URSS e o Japão, em
1938.
Este artigo de
Israel Shamir foi traduzido do russo. Os meus agradecimentos ao
autor.
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